DECOLAGEM
As comissárias de bordo haviam sumido. Paulatinamente, o Boeing 747 ia deslizando, afastando-se pesadamente da maravilhosa Terra Firme. Lá dentro os passageiros iam se mostrando. Na classe econômica via-se os catatônicos de carteirinha e logo em seguida os que simplesmente riam ou sutilmente gargalhavam, embora não se pudesse saber do que ou de quem e que também suavam. Mais adiante, alguns cantarolavam músicas que não existiam, aliás, desses, uns tinham frio e se cobriam, enquanto outros tinham medo e se cobriam também se agarrando ferozmente aos cobertores como se lhes fossem os derradeiros pára-quedas.
_ Com licença, a senhora está sentindo falte de ar?
_ De jeito nenhum. Estou sentindo falta é da Terra!
Na primeira classe, todos eram mais distintos e polidos levando-se em conta que não se pode enxergar a dor, fundamentalmente a de barriga, e contudo, de olhos fechados quase todos liam os jornais e revistas que estavam de cabeça pra baixo, amassados entre dedos que não se mexiam nem pra passar as páginas, porém alguns ainda fingiam respirar.
Já na classe executiva, ouvia-se um suave murmúrio, embora não fosse assunto de negócios, pois sempre no final todos repetiam em uníssono o tradicional “Assim Seja”. No hebraico, “Amém”.
(MARCANTE, Alexandre).
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Cemitério & Hortifruti
Quando Deusdédetes bateu as botas, quase toda a população de Taboão do Mato Alto compareceu ao defuntório. Umas quarenta e cinco pessoas entre familiares, amigos e companheiros de trabalho formaram fila para dar a última espiada no defunto na capela do cemitério da cidade. No pequenino templo, mal cabiam o defunto e a corôa de flores doada pelo prefeito. Do lado de fora, nas três portinholas azuis de madeira que se enfileiravam lia-se em iniciais: "ADM", "ALMOX" e "COVE". Eteuvina, sentindo um baita calor, resolveu ficar ao relento fofocando com quem parasse perto:
- Esse mundo tá mesmo pirdido, comentou com um beiço de espanto ao digníssimo prefeito.
- A senhora se refere a passagem prematura de Deusdédetes?
- Não. O que eu não entendo é como esse povo podi cumê cove de cimitério?
(Alexandre Marcante)