CRÔNICAS

CAIXOTE

Estava apavorado. Havia escutado ao longo da semana histórias terríveis de meninos e meninas que ali tiveram mudadas suas vidas. Aquela noite saíra de casa com o coração apertado e a mente girando em torno de pensamentos que lhe tiravam o sono e o chão. Já naquele ambiente, à noite, cruzou o bosque a passos largos e desceu o caminho em direção ao portão que dava para a linha do trem já sob os olhares vampirescos. Logo, apanhava a João Vicente, o coração ultra acelerado, o corpo suado de nervosismo e medo e a cada passo dado, um mais largo que o outro, já se previa a disparada louca em direção ao centro nervoso de Marechal Hermes, a Praça Montese ou simplesmente Praça dos estudantes ou ainda Praça dos Sacrifícios.

A turba de veteranos corria e gritava lancinante a fim de pegá-lo. Siri, como o batizaram passou por mim feito a nave espacial Endevor onde tive a impressão de ter lido (United States of América) e atravessou a pista ganhando o outro lado da calçada, mas a turba não desistiu e continuou no encalço do Siri até que: havia uma pedra no meio do caminho, digo, uma pilha gigantesca de caixotes de frutas. Siri viu a pilha crescer vertiginosamente diante de si e não mais conseguiu parar atravessando-a feito desenho animado. A pilha de caixotes explodiu pelos ares e Siri no asfalto da João Vicente, ainda cambaleando, foi alcançado pela turba que o levou para o meio da Praça dos Sacrifícios onde sofrera os maus tratos conferidos aos Siris por décadas e décadas sob o olhar atento de nosso patrono o Visconde de Mauá em busto.

Naquele momento, em 1996, entre achincalhes, batom vermelho, Prestobarbas, tesouras, ovos estalados e muita tinta, despia-se o menino choroso de raiva para se forjar um homem. Um homem chamado Caixote.

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.MARCANTE, Alexandre . O Holocausto Contínuo. Ed. Cocar Cultural – Ensaios 1996. P. 137.
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